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«A aproximação à leitura tem de ser afetiva, emocional» Teresa Calçada, comissária do PNL

Publicado a 18/05/2022, na categoria: Entrevistas

Falámos com Teresa Calçada, comissária do Plano Nacional de Leitura (PNL) sobre a iniciativa Clubes de Leitura nas Escolas (CLE), e o que podemos fazer enquanto comunidade (pais, professores, mediadores, editoras) para que os livros se tornem parte da nossa vida. «O maior incentivo à leitura é ver as pessoas que nos rodeiam entusiasmadas com um livro».

Quantas escolas no país têm a funcionar clubes de leitura?
No ano passado, a iniciativa CLE apoiou cerca de 50 projetos, e tem o objetivo de apoiar pelo menos mais 50 este ano. Entretanto, não temos dados concretos, mas sabemos que existem outros clubes de leitura a funcionar nas escolas, não enquadrados no PNL.

Quais os ciclos que têm mais adesão à iniciativa?
Neste momento, a maioria dos clubes apoiados pertencem ao 2.º Ciclo de escolaridade.

A pandemia veio incentivar ou prejudicar a existência destes clubes?
Não temos informação disponível sobre isso, mas sabemos que os clubes de leitura podem funcionar como um excelente instrumento de apoio e aproximação, nomeadamente num contexto pandémico e de escola à distância.

Pela sua experiência e conhecimento, quais as principais vantagens, para professores e alunos, de um clube de leitura na escola?
Através da experiência de clubes de leitura noutros países, onde esta prática está mais desenvolvida e generalizada, e dos quais temos um conhecimento aprofundado (como é o caso da Galiza, em Espanha, e do Reino Unido), sabemos que este instrumento é essencial para incentivar a leitura e criar novos leitores. Propor a leitura através de mecanismos informais, ao invés da leitura obrigatória, estimula o prazer de ler e contribui para a formação de leitores e a criação de gosto. É de sublinhar também o facto de os clubes de leitura funcionarem entre pares e não obedecerem a uma hierarquia rígida. Ou seja, há espaço para a negociação, para decidir em conjunto o que se lê, podendo fugir às leituras mais normativas ou instituídas. O PNL tem neste momento em trânsito um inquérito às práticas de leitura entre crianças e jovens, que sofreu algum atraso devido à pandemia, mas que em breve apresentará resultados que trarão alguma luz sobre este tema.

Que tipo de livros funciona melhor num clube de leitura? Há géneros que fomentam mais a discussão do que outros?
Pela nossa experiência, as distopias e utopias suscitam grande interesse. E também as histórias centradas em situações dilemáticas, isto é, em que aos protagonistas se apresenta um dilema perante o qual têm de tomar uma opção. Este tipo de enredos costuma suscitar o envolvimento das crianças e dos jovens.
De qualquer forma, o site do PNL disponibiliza sugestões e recomendações pesquisáveis no catálogo por critérios como idade, tema, nível de leitura, entre outros. Esta ferramenta pode ajudar os professores e mediadores a orientar e a selecionar as leituras mais adequadas para cada grupo, e a desenvolver as competências leitoras, permitindo-lhes propor novos desafios e aumentar o grau de exigência da leitura.

Como podemos incentivar a criação de mais clubes de leitura e a adesão de mais professores e estudantes? Que papel podem as editoras desempenhar?
Creio que as editoras podem e devem ser parceiras das escolas neste desafio da promoção da leitura. O PNL acolhe essa visão de corpo e alma. Noutros países, aliás, há uma forte tradição de colaboração entre editoras e escolas, por exemplo, através da instituição de concursos, prémios, visitas de estudo e outros incentivos. Há outro papel importante a desempenhar por parte das editoras, que é o de darem a conhecer o mundo editorial e a cadeia do livro, consciencializarem para questões de direitos de autor e propriedade intelectual. Portanto, o envolvimento das editoras neste processo é desejável e amplo.

O que pensa da recente tendência para o aumento de clubes de leitura na sociedade em geral? Afinal, estamos mais próximos ou mais afastados dos livros?
Em Portugal, não há muita tradição de clubes de leitura, mas de facto estão a surgir iniciativas neste âmbito, o conceito está a ter divulgação, a partilha de leituras é desejada e valorizada. Acredito verdadeiramente que o clube de leitura cria leitores. Portanto, este tipo de iniciativas pode atrair não só quem já é leitor, como conquistar novos leitores. E pode ajudar a contrariar a ideia, entre os mais jovens, de que é bom dizer “não gosto de ler”. E pode acabar com o estigma da leitura e promover os livros como uma prática que incorporamos nas nossas programações. Em geral, a leitura não aparece na programação da vida das famílias. A prática de ler está ausente. E, por exemplo, há quanto tempo não vamos a uma biblioteca? Não temos o hábito de frequentar bibliotecas e, no entanto, elas estão aí, bibliotecas municipais e bibliotecas escolares, bem equipadas, recheadas de livros. E porque é que o filho não há de trazer um livro da biblioteca escolar para o pai? É importante fomentar estas práticas, estes intercâmbios. Claro que tudo radica no facto de não termos uma educação que valorize os livros. Há alguns sinais positivos, contudo. Os pais leem para os filhos pequenos, percebem que esses momentos de leitura são importantes, e reservam tempo para isso. O mais eficaz para criar leitores é a leitura surgir como algo natural na vida das famílias: os miúdos verem os professores a ler, os pais a ler, sentirem que os livros entusiasmam. A aproximação à leitura tem de ser afetiva, emocional, e funcionar, acima de tudo, pelo exemplo. Se eu vejo as pessoas que me rodeiam envolvidas com a leitura, mais facilmente vou reproduzir essa prática.

Pode recomendar 5 a 10 livros imprescindíveis num clube de leitura para jovens dos 12 aos 15 anos, por exemplo?
Em primeiro lugar, convém salientar que não há livros universais. Um grande livro não é o mesmo para todos. É fundamental adequar as sugestões de leitura a cada tipo de leitor. As prescrições do género “10 clássicos que todos os jovens devem ler” podem servir como orientação, inspiração, mas não podem ser aplicadas às cegas. Tudo começa nesta premissa simples: é preciso saber ler. É aqui que a escola tem um papel fundamental, a começar no pré-escolar. A importância do vocabulário, das aprendizagens, é enorme. E a escola tem de ser inclusiva, ou seja, tem de oferecer as mesmas possibilidades a todos e colmatar as diferenças entre quem vem de ambientes com muitos estímulos à leitura e outros onde esses estímulos são nulos.

Que livro recomendaria aos jovens que afirmam não gostar de ler?
Como referi acima não há um livro para os jovens, gostem ou não de ler. Há livros e livros, há jovens e jovens. Daí a importância da mediação leitora a fazer por professores, bibliotecários, influenciadores, família, entre pares, revistas e jornais, clubes de leitura, redes sociais. O desafio é encontrar o livro “certo” para o leitor ou o ainda não-leitor.

E uma sugestão capaz de surpreender quem já leu muito?
Em nome de “O fascinante esplendor do inútil”, como diz Steiner, sugiro A Utilidade do Inútil, de Nuccio Ordine.

Por fim, qual a sua citação preferida sobre os livros e a leitura?
«O livro é aquilo que se olha de frente, que se vê de frente. Não podemos ler pelo canto do olho. Ler é, antes de mais, virar todo o corpo para as letras.»

Gonçalo M. Tavares, Ofício Humano

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