Yuval Noah Harari: «Os adultos não querem que as crianças façam perguntas perigosas»

Publicado a 11/01/2023, na categoria: Booksmile, Destaque, Entrevistas

 

O aclamado autor, pensador e professor de História Yuval Noah Harari fala sobre a nova série para jovens, INDOMÁVEIS, e sobre o ensino da História às crianças. Aprender História não é decorar datas e nomes de reis, mas sim perceber como é que esses acontecimentos passados moldam a forma como vivemos hoje. E como podemos fazer escolhas e decidir em que mundo queremos viver.

 

1) Pode apresentar-nos brevemente esta nova série?

Indomáveis é o livro que eu gostaria de ter lido quando era miúdo. Conta a história da Humanidade desde que éramos apenas macacos a viver na savana, até à época em que nos tornámos semelhantes a deuses, voando em aviões e naves espaciais. É um livro divertido – espero que os jovens leitores não queiram pousá-lo; e é também muito sério, procurando alertar-nos para diversas questões. Todas as perguntas, desde porque é que temos pesadelos e porque gostamos de açúcar, até porque acreditamos em deuses e porque há tantas guerras.
Indomáveis tem uma mensagem-chave para os miúdos: o mundo em que vivemos não tinha de ser como é. As pessoas fizeram-no como é. E as pessoas podem mudá-lo.
Porquê escrever sobre isto para miúdos? Bom, cada um de nós carrega uma carga pesada. Cada autor, professor e pai deve perguntar-se:
– O que é que eu quero dos jovens? Quero que eles me ajudem a suportar a minha carga? Ou quero ajudá-los a verem-se livres da sua?
– Quero que eles carreguem as minhas ideias, a minha religião, as minhas guerras, as minhas memórias? «Olha miúdo, carreguei tudo isto até aqui, agora carrega tu!» Ou quero ajudá-los a libertarem-se dos seus medos, das suas ilusões, da sua infelicidade? «Vês estas coisas, miúdo? Fiquei preso a elas durante anos. Tem cuidado! Não tens de pegar nelas!»
Espero que este livro ajude os miúdos a verem-se livres da sua carga. O objetivo de aprender História não é lembrar o passado, mas sim libertarmo-nos dele.

2) Como é que a série surgiu? Como nasceu a ideia? Quando é que pensou pela primeira vez em escrever para miúdos?

A ideia de escrever esta série veio de muita gente. Leitores do Sapiens escreveram-me a pedir que escrevesse algo semelhante para miúdos. O meu marido também, pouco tempo depois de eu ter acabado o Sapiens, disse que o próximo projeto devia ser algo para crianças. Ele chamava-lhe, no gozo, «Harari Potter». E eu também queria fazê-lo. Como historiador, muitas vezes sinto que é difícil explicar História a adultos. Porquê? Porque os adultos já acreditam em demasiados disparates acerca do passado. Os adultos acreditam em toda a espécie de contos de fadas sobre deuses, sobre nações, sobre dinheiro. Fazê-los largar estes contos de fadas é muito difícil. É mais fácil com crianças. Elas ainda não ouviram todas estas histórias. Estão mais abertas.
É mais fácil explicar o que é o dinheiro e a religião a pessoas de 10 anos do que a adultos de 50. E também é mais importante. Porque as pessoas que irão mudar o mundo não têm 50, têm 10.

3) O que lia quando era criança?

Em miúdo lia muitos livros de História. Preferia isso a literatura. Aprendi a ler e a escrever com 4 ou 5 anos, com um livro enorme, intitulado A História da Humanidade. Era um livro para crianças, com imensas ilustrações. Olhava para as páginas durante horas e tentava compreender as palavras, e também tentava copiá-las. Ainda tenho este livro no meu escritório, e contém os meus primeiros rabiscos.
Sei que às vezes se diz aos miúdos para não escreverem nos livros. Claro, se for um livro da biblioteca ou pertencer a outra pessoa, não escrevam. Mas se o livro for vosso, força! Se os miúdos escreverem ou desenharem no seu exemplar de Indomáveis ficarei muito satisfeito.
Já mais crescido, com 10 ou 12 anos, lia coisas como Uma História de Roma, de Theodor Mommsen. Era um dos meus favoritos. Li-o provavelmente cinco vezes. E era um pouco surpreendente, de cada vez que o lia, que as mesmas coisas acontecessem… O Hannibal nunca venceu a guerra contra Roma. Também lia historiadores antigos, como Plutarco e Tucídides. E alguns romances históricos também, como a, de Mary Renault.

4) Qual é o segredo de escrever para crianças?

Colocar perguntas realmente difíceis e não ocultar nada atrás de uma linguagem complicada. Quando escrevemos para adultos, se não termos a certeza de alguma coisa, podemos geralmente disfarçar com frases longas e grandes palavras abstratas. E os leitores pensam que não entendem porque o autor é demasiado esperto para eles.
Este truque não funciona com crianças. Elas aborrecem-se ou põem simplesmente o livro de lado. É preciso manter as coisas simples e concretas. Por isso temos mesmo de saber do que estamos a falar. E se não soubermos alguma coisa, mais vale admitir e dizer «Não sei.»
Isto significa que é mais difícil escrever para crianças do que para adultos. Obriga-nos a pensar mais e melhor. E também dá vida à História. E a História é realmente sobre isso. Devolver a vida aos mortos sem adormecer os vivos!

5) O que é que o seu eu de 10 anos iria achar deste livro?

Iria adorá-lo! De certa forma, escrevi este livro para o meu eu de 10 anos. Quando estava a escrever, fiz este jogo: «Imagina que eu podia viajar no tempo e conhecer-me quando tinha 10 anos, o que diria a mim mesmo?»
Penso que se tivesse lido este livro com 10 anos, teria poupado anos em que acreditei em toda a espécie de disparates acerca do mundo, e talvez tivesse evitado que eu me comportasse de maneiras erradas para mim e para os outros.

6) Alguma vez uma criança lhe colocou uma questão para a qual não tinha uma boa resposta?

As crianças conhecem todas as grandes e difíceis questões para as quais não temos resposta. Questões como «Qual é o sentido da vida?», «Porque estamos aqui?», «O que acontece depois de morrermos?».
A maioria das pessoas abandona estas perguntas quando cresce. Não porque encontram uma resposta, mas porque desesperam ao tentar encontrá-la. Ou porque as respostas são demasiado assustadoras.
Mas é importante continuar a colocar estas questões em qualquer idade. Se assim não for, as nossas mentes fecham-se e pensamos que percebemos o mundo quando de facto não percebemos nada. É de longe preferível ter questões às quais não conseguimos responder do que respostas que não podemos questionar.

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