Vencer a distância através dos livros

Embora em minha casa tenha havido sempre imensos livros, na vila onde passei a infância, e o início da adolescência, não existia nenhuma biblioteca. Como tal, o dia da chegada da carrinha da Biblioteca Itinerante Gulbenkian era para nós, crianças, um motivo de frenesim e intensa animação.

Eu, em particular, recebia essa ocasião com enorme entusiasmo, mas até os que não eram dados à leitura não deixavam de passar pelo Largo da Câmara Municipal, onde estacionava a carrinha-biblioteca, para matar a curiosidade de ver o que se escondia para lá das portas, que, quando se abriam, deixavam vislumbrar estantes com livros dos mais variados tamanhos e cores, e um senhor muito gentil que connosco conversava e nos aconselhava o que devíamos escolher.

Os livros eram, naquela altura, um bem verdadeiramente precioso: o acesso ao mundo do maravilhoso e do conhecimento estava, assim, à distância de um folhear de páginas.

Mas hoje, com esse mundo cada vez mais perto (basta um clique num teclado ou num ecrã), é, de facto, um enorme desafio continuar a motivar as crianças e os jovens para o exercício de práticas de leitura.

O cenário piora quando se junta uma pandemia e dois períodos intercalados de confinamento. Controlar os hábitos de leitura dos alunos torna-se, por conseguinte, uma medida ineficaz, e seríamos hipócritas se não reconhecêssemos que, no mundo virtual, existem outros atrativos mais aliciantes do que a leitura de um livro, por melhor que este seja – ou pareça ser. Daí que sejam de extrema importância iniciativas como a que a 20|20 Editora lançou, no ano letivo de 2019/2020, concretamente o Campeonato de Ciência e Escrita Criativa.

Enquanto professora, tenho reparado que, nos alunos, há uma caraterística que não se perdeu ao longo dos anos: a competitividade. Foi por aí que procurei, também, agarrar a minha turma do 6.º ano de escolaridade, quando sugeri que participássemos nesse campeonato.

Na altura, estávamos a iniciar a experiência do segundo confinamento, pelo que tinha plena consciência de que teria que criar estratégias muito específicas, de modo a conseguir motivar o grupo.

E que técnicas tinha, então, à minha disposição? Mitigar a distância (física e geracional), tornar-me mais próxima dos alunos, recorrendo aos mecanismos que lhes são familiares: elaborámos pesquisas, na internet, sobre os livros da coleção O Clube dos Cientistas; realizámos videoconferências, nas quais foram apresentadas súmulas dos livros que cada aluno ou grupo de alunos tinha lido; desenvolvemos campanhas de defesa do livro que iríamos trabalhar em conjunto; fizemos uma votação online (com boletim de voto eletrónico!) para a respetiva eleição; recorremos ao site da 2020 para adquirir os livros; redigimos o texto na modalidade de escrita colaborativa (com recurso à plataforma Teams), que só mais tarde, já em contexto de aula presencial, revimos em conjunto, e o qual, felizes, enfim submetemos.

Quando chegou até nós a notícia de termos ficado em 2.º lugar no campeonato, enchemo-nos naturalmente de orgulho. Contudo, devo confessar que, mesmo que assim não tivesse sido, já nos sentíamos vencedores, pois sabíamos ter conseguido chegar a um produto final, contrariando as adversidades e as vicissitudes a que nos vimos sujeitos pelo regime de exceção pelo qual passámos.

Mesmo não sendo tarefa fácil, o incentivo à prática da leitura é um ato de cidadania.

Voltando ao início deste texto, seremos nós – pais, professores, educadores, editoras – as novas carrinhas itinerantes da Gulbenkian? A nobre função outrora desempenhada por estas, que levou o prazer de ler aos lugares mais recônditos deste país, pode ser também a nossa missão. Porque a distância não é apenas mensurável por quilómetros.

Maria Alexandra Leitão, Professora de Português e Inglês, do 2.º Ciclo
Instituto dos Pupilos do Exército / Agrupamento de Escolas Dr. Correia Mateus