Joana Lucas Coelho: «Todas as crianças querem brincar com outras crianças, ao ar livre e em ambientes naturais»

Publicado a 03/04/2023, na categoria: Lilliput, Destaque, Entrevistas

FOTO: Catmandu, Nepal

A experiência de Joana Lucas Coelho enquanto antropóloga ao serviço da ONU, e de outras organizações na área do desenvolvimento e da assistência humanitária, permitiu-lhe conhecer diversas realidades culturais e modos de vida. Um Abraço ao Nosso Mundo (ed. Lilliput) dá voz a crianças de vários lugares do mundo, revelando os contextos familiares, as brincadeiras, os modos de crescer, de aprender e de brincar e, também, os desafios que muitas delas enfrentam, todos os dias. Entre as diferenças, sobressaem as semelhanças: todas as crianças querem brincar, ir à escola e cuidar generosamente da Terra, fazendo parte da geração que poderá salvar o nosso planeta.

 

Como nasce este livro?
Este livro nasce de uma feliz coincidência: por um lado, de uma vontade que guardo em mim, há vários anos, de expressar por escrito e partilhar as minhas impressões e aprendizagens das vivências prolongadas em vários lugares do mundo; por outro, da vontade da editora Penguin Random House de editar um livro infantojuvenil sobre a diversidade cultural, através dos olhares de crianças.
Ao refletir melhor sobre este projeto, e à medida que as histórias das várias crianças se iam definindo, tornou-se cada vez mais claro que este livro seria, sobretudo, sobre os diferentes modos de vida de diversas crianças (catorze), em lugares muito diferentes dos vários continentes – que é um conceito mais abrangente que a diversidade cultural. Assim, para além dos traços culturais, o que despertou mais interesse foi que as crianças contassem como era o seu dia-a-dia, com quem viviam, como brincavam, como iam à escola, o que habitualmente faziam, o que queriam ser quando fossem grandes.

 

O que aprendeste com o modo de vida das crianças e das famílias de várias partes do mundo?

Aprendi, acima de tudo, a relativizar a realidade em que vivo/vivemos – quer no nosso país, quer no continente europeu – e a valorizar o que temos e recebemos da Terra. Por exemplo, é incrível a facilidade do nosso acesso ao que ela nos oferece e a abundância de determinados bens – em termos de recursos naturais, como a água, bens alimentares, serviços básicos, etc. Contrariamente, em alguns lugares remotos, testemunhei a resiliência das populações, incluindo das crianças, face a várias dificuldades e desafios quotidianos. Lugares onde a escassez de recursos básicos e a vulnerabilidade das famílias são extremas e geracionais – viver sem água potável ou eletricidade, com difícil acesso a bens alimentares, dependente da natureza e do que a terra dá, não conseguir chegar à escola pelas adversidades do clima ou porque o acesso se tornou intransitável…
Apesar de saber que era temporário, eu própria vivi períodos sem água, sem eletricidade e sem comodidades “básicas”. Ao vivenciar estas privações, senti o quanto a solidariedade e a vida em comunidade são fundamentais, o quanto é decisivo não desperdiçar e utilizar todos os recursos naturais de modo equilibrado – a água é preciosa! A Natureza deve ser respeitada em todas as suas formas.
Aprendi a respeitar, ainda mais, as diferenças dos que vivem de modo diverso e com outra cultura.
Tudo isto, mudou a minha perspetiva do mundo, da humanidade e da própria vida.

 

Tirando as diferenças culturais, que traços comuns encontras entre os modos de crescer e brincar?
Independentemente do lugar onde vivem, todas estas crianças têm a vontade (natural na infância) e a necessidade de brincar, brincar e brincar – sempre que possível, querem brincar com outras crianças e ao ar livre, em ambientes naturais. De uma forma ou outra, todas elas querem interagir e partilhar as brincadeiras.
Todas elas gostam de ir à escola – em especial, aquelas que têm maior dificuldade em chegar lá, ou que caminham mais de uma hora em terreno acidentado, são as que mais demonstram desejo e alegria por poderem frequentar a escola.
Todas estas crianças têm sonhos e “já sabem” o que gostariam de ser quando forem grandes!

 

Viajar também é uma arte. Enquanto viajante, que conselhos darias a quem pretende aventurar-se pelo mundo, seja em trabalho, estudo ou lazer?
Acima de tudo, partir sem pré-juízos. Viajar (o mais possível) despido de rótulos e de preconceitos, com toda a humildade e abertura possível para aceitar e absorver novas formas de viver e de estar no mundo. Respeitar as diferenças, que encontrarão ao longo das viagens. Conhecer e conviver com a população local. Julgo ser este o segredo para se viajar, verdadeiramente.

 

De que forma este livro pode ser usado na Escola?
Acredito que este livro tem uma forte vertente pedagógica. Para além de dar a conhecer e sensibilizar as crianças para a diversidade cultural e riqueza que existe na humanidade nas suas formas diferentes de viver no mundo – e, também, dos meios de subsistência de quem vive em lugares desafiantes -, aflora igualmente outras questões, fundamentais nos dias de hoje. A mensagem que também se pretende passar às crianças, numa linguagem simples e adequada à sua faixa etária, é a de que o mundo está ameaçado e que a sobrevivência da humanidade, a longo prazo, depende de todos nós.
Por um lado, questões ambientais – designadamente, as alterações climáticas, a necessidade de preservação das espécies e dos ecossistemas, a importância de cuidarmos do nosso planeta e de utilizarmos os seus recursos de modo equilibrado; por outro, que os direitos humanos são universais e, por isso, todas as crianças têm os mesmos direitos – ir à escola, viver numa casa, ter bons alimentos e água potável, entre outros.
Creio ser construtivo e educativo dar a conhecer às crianças outras realidades (numa linguagem adequada à sua faixa etária) – como vivem milhões de outras crianças em outros lugares do mundo, tão diferentes -, para que elas possam, mais tarde, abraçar a diversidade humana e cuidar do nosso mundo, com responsabilidade e generosidade. A partilha destas histórias, entre as próprias crianças, poderá contribuir positivamente para uma geração futura mais solidária, participativa e inclusiva, onde valores fundamentais como a igualdade, a liberdade, a tolerância, serão naturalmente apreendidos.

 

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